Na rotina de minhas consultas, me deparo com pacientes que chegam já convencidos de seu diagnóstico. Uma rápida pesquisa aqui e uma conversa ali são suficientes para que o paciente esteja seguro de que todos os seus problemas têm um nome e um tratamento simples com uma única medicação. A desatenção causada pelo uso excessivo de telas, internet e estímulos em geral é rotulada como “TDAH”, justificando o uso de Ritalina para melhorar o desempenho em concursos; a tristeza decorrente do falecimento de um ente querido rapidamente se transforma em “Transtorno Depressivo Maior”, justificando o uso de Rivotril para controlar o choro e a insônia. E caso o médico não concorde? Busque uma segunda opinião! E uma terceira, uma quarta… até encontrar alguém que concorde, assim, a sociedade se acostuma a substituir profissionais de saúde por pesquisas rápidas nos sites de pesquisa e realizar automedicação. O paciente entra no consultório já com diagnóstico e prescrição, e o médico se torna apenas um executor de pedidos. O seguinte diálogo interno é extremamente comum:
“Mas será que isso realmente resolve alguma coisa? Será que o Rivotril, a Ritalina, o Diazepam são tão inofensivos assim? Será que o médico está sempre errado? Que outra explicação ele poderia ter para a minha desatenção além do TDAH? Eu me identifiquei tanto com os sintomas!”
Na busca por respostas rápidas, não podemos esquecer que a arte da medicina, com sua complexidade e humanidade, transcende a simplicidade do autodiagnóstico online.
Neste momento, gostaria de abordar esse tema, indo na direção oposta da tendência atual de “autodiagnóstico” na internet, e falar um pouco sobre a complexidade de uma consulta médica e os problemas decorrentes da falta de busca ou confiança na ajuda profissional. Um médico que atua em saúde mental, quando se depara com um sintoma, sempre leva em consideração todo o contexto que o cerca; uma irritação, por exemplo, pode ser consequência de más relações familiares, exigências do trabalho, problemas conjugais, realocação (de casa ou país), alterações hormonais (como na adolescência ou menopausa), ou pode simplesmente não ter explicação lógica alguma. Também pode haver vários níveis, causando prejuízos que podem ir desde a falta de concentração, conflitos interpessoais, isolamento, agressividade até autolesões. Absolutamente nada disso é fácil de ser julgado, requer estudo e experiência, além de certo juízo que é próprio do profissional. Afinal de contas, as “artes médicas” são “arte” por um motivo.
No Brasil, 79% das pessoas com mais de 16 anos admitem tomar remédios sem prescrição médica, conforme o Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ). O percentual é o maior desde que a pesquisa começou a ser feita, indicando um aumento significativo em comparação com anos anteriores. Esse comportamento pode ser atribuído ao imediatismo e ao maior acesso à internet, conforme apontam os coordenadores do estudo. As imprecisões dos resultados de buscas online levam ao atraso na descoberta do problema e, consequentemente, no início do tratamento adequado, o que pode agravar o quadro. A partir do que é encontrado na internet, também é muito comum que pacientes se automediquem sem levar em consideração os efeitos colaterais do medicamento, causando complicações ainda maiores.
O caminho para a segurança no uso de psicotrópicos exige prescrição médica consciente, monitoramento cuidadoso e uma compreensão crítica das informações sobre medicamentos, destacando a importância da orientação profissional na saúde.
São robustas as pesquisas que demonstram que o uso indiscriminado de psicotrópicos, como Ritalina e Rivotril, causam sérios prejuízos cognitivos, desde dependência química até intoxicação. É crucial entender que esses medicamentos devem ser prescritos e monitorados por um médico, levando em consideração o histórico médico do paciente e a gravidade dos sintomas. Outro aspecto relevante é a importância da leitura crítica da bula dos medicamentos. Embora estas forneçam informações essenciais sobre os medicamentos, muitas vezes não consideram o que é visto na prática médica. O que é mostrado na bula são dados feitos em pesquisas controladas com pacientes pré-selecionados, muitas vezes sem outras comorbidades ou uso de outras medicações, não refletindo a realidade comum do povo brasileiro. Também há o risco de somatização. Tudo isso contribui para uma falta de confiança no tratamento medicamentoso. Por isso, é fundamental discutir qualquer dúvida ou preocupação com seu profissional de saúde.
Buscar informações de saúde pode se mostrar muito útil em diversas ocasiões; além de ser uma incrível ferramenta de pesquisa, a internet nos foi muito favorável para a manutenção da saúde durante a pandemia. Mas é essencial reconhecer os limites do autodiagnóstico e buscar orientação profissional quando necessário. A consulta médica é uma arte complexa que envolve avaliação minuciosa dos sintomas, investigação e compreensão do paciente, sempre visando proporcionar um cuidado de saúde integral e eficaz.